Do 1º tabelião do Brasil aos dias atuais: a evolução dos Cartórios de Notas

Qual futuro nos espera, quando o assunto são os serviços dos Cartórios? Acredito que só quem conhece o passado pode vislumbrar um futuro melhor. Como tabeliã há pouco mais de uma década, já vi muitas transformações e me orgulho de ter contribuído e compartilhado dessas inovações que beneficiam brasileiros residentes em nosso país e no exterior.

Revisitando a História

Para entender mais os caminhos percorridos até o presente, vamos rever a história, que começa em 1494, com o Tratado de Tordesilhas.

Em razão do tratado e para registrar o acordo político entre Portugal e Espanha sobre novas terras descobertas e as que viessem a descobrir, Pedro Álvares Cabral foi encarregado pelo Rei Dom Manoel I de visitar essas terras e trouxe consigo, Pero Vaz de Caminha que era o tabelião oficial da Coroa a quem cabia todos os registros diários de fatos ocorridos dentro ou fora das caravelas. Assim, alguns historiadores consideram que Pero Vaz de Caminha foi o primeiro tabelião do Brasil. Daí, o primeiro documento sobre as terras brasileiras relatado por Pero Vaz de Caminha é tido como Certidão de Nascimento do Brasil.

A nova terra havia sido dividida em quinze grandes partes que eram chamadas de Capitanias Hereditárias e possuíam Martin Afonso de Souza como comandante responsável para a administração geral e cada capitania tinha um administrador de sua região que era chamado de donatário. As Capitanias não tiveram sucesso e um dos motivos foi porque os melhores benefícios sobre as terras reservaram-se ao Rei. Com o declínio das Capitanias se estabelece no Brasil um governo central, o qual prestaria ajuda e proteção às capitanias.

Sesmarias eram terras consideradas incultas ou abandonadas que o Rei cedia a particulares para cultivá-las. O direito de conceder Sesmarias cabia aos delegados designados pelo Rei e o primeiro delegado foi Martim Afonso de Souza. Assim, toda a documentação imobiliária estava vinculada aos posseiros e ao Rei por meio de seus funcionários designados especificamente para tais funções na Colônia.

Da propriedade privada à criação dos cartórios

Com a Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850, também chamada de Lei de terras, encerra-se o sistema de Sesmarias. Nessa medida, foi a primeira iniciativa no sentido de organizar a propriedade privada no Brasil. Com ela cria-se a categoria de devolutas para as terras públicas. É quando se organiza os registros imobiliários com a função de registrar atos e vontades das partes interessadas.

Por outro lado, para dar publicidade, autenticidade, segurança e eficácia do ato no caso de registro de pessoas naturais como nascimento, casamento, legitimação de filhos e outros, a Igreja Católica aliada ao Estado era a responsável. E, com a Proclamação da República e a Constituição de 1891, dá-se a separação entre Igreja e o Estado ficando aquela responsável apenas pela parte espiritual. Assim, em 31 de dezembro de 1973, foi criada a Lei de Registros Públicos, Lei 6015/73.

Em uma volta no tempo, mais precisamente em 1964, tem início um movimento que representou um novo marco para os Cartórios do foro judicial e extrajudicial, pois até referido momento as funções eram concedidas aos apadrinhados e cabos políticos os quais passavam de pais para filhos.

A Emenda Constitucional nº 7 de 1977 oficializou os serviços, estabelecendo concurso público como ingresso na atividade judicial e extrajudicial em seu artigo 206, determinando que a remuneração seria exclusiva pelos cofres públicos. Por conseguinte, em 1982 veio a Emenda Constitucional nº 22 na Constituição Federal de 1969, incluindo os artigos 206 e 207 para determinar que as serventias extrajudiciais fossem promovidas pela legislação estadual obedecida a classificação do concurso de provas.

Já com a Constituição Federal de 1988, foi atribuído às serventias extrajudiciais a denominação de serviços notariais e de registros em que teria atividade delegada pelo poder público em caráter privado sob a fiscalização do poder delegante e ingresso por concurso público de provas e títulos. Nesse ínterim até hoje todos os custos devem ser arcados pelo delegatário e parte dos emolumentos recolhidos devem ser repassados para o Poder Público.

Regulamentação dos serviços notariais e de registro

A partir da Constituição de 1988, veio a Lei 8935/94, para regulamentar a atividade notarial e de registro. Vejamos seus principais pontos:

No artigo 1º, menciona que os serviços notariais e de registros garantem publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. Esses são fundamentos basilares destinados a garantir:

  • Publicidade: nesse caso você utilizará dos serviços cartoriais, em regra quando quiser que qualquer pessoa tenha conhecimento do ato realizado, como por exemplo, quando se compra um imóvel só se caracteriza dono para as pessoas em geral depois que se faz o registro da Escritura de Compra e Venda no Cartório de Registro de Imóveis, pois essa informação ficará registrada na matrícula do imóvel que é onde fica toda a história imobiliária desse bem;
  • Autenticidade: significa, por exemplo, atestar a legitimidade de um documento ou da autoria dele como no caso do tabelião atestar que sobre determinada por qualquer circunstância, e um exemplo seria o do tabelião atestar que a assinatura que está em um documento realmente é de determinada pessoa por meio do reconhecimento de firma.
  • Segurança: os delegatários dos cartórios possuem a fé pública, que é uma garantia da lei de que seus atos são confiáveis e previnem riscos. Temos o exemplo da Procuração Pública com poderes para movimentar dinheiro do banco e que pode ser revogada a qualquer momento em qualquer Cartório de Notas do Brasil;
  • Eficácia: é a capacidade que o serviço cartorial tem de atingir o resultado pretendido. Como exemplo, cito a Escritura de Divórcio que extingue o vínculo conjugal e após apresentada ao Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais dá publicidade deste fato passando os requerentes para a condição de divorciados.

Delegatários dos serviços

No artigo 5º estão todos os delegatários dos serviços extrajudiciais, ou seja, tabeliães de notas, tabeliães e oficiais de registros de contratos marítimos, tabeliães de protestos de títulos, oficiais de registro de distribuição, registro civil de pessoas naturais, registro civil de pessoas jurídicas, registro de títulos e documentos e registro de imóveis.

1) Tabeliães e Oficiais de Registro de Contratos Marítimos elaboram os atos, contratos e instrumentos relativos a transações de embarcações e registram os documentos da mesma natureza; reconhecem firmas em documentos destinados a fins de direito marítimo; expedem traslados e certidões referentes a seus atos.

2) Tabeliães de Protesto de Títulos têm com função protocolar de imediato os documentos de dívida, para prova do descumprimento da obrigação; intimar os devedores dos títulos para aceitá-los, devolvê-los ou pagá-los, sob pena de protesto; receber o pagamento dos títulos e dar quitação; lavrar os protestos; acatar o pedido de desistência de protesto; averbar o cancelamento do protesto; expedir as certidões dos documentos que constem em seus registros. Os protestos feito pelo credor são gratuitos no Brasil e o delegatário receberá todos os valores no momento do pagamento da dívida. Isso fez com que aumentasse a procura pelo serviço no país.

3) Oficiais de Registro de Distribuição têm a função de distribuir de forma equitativa serviço da mesma natureza, efetuar as averbações e os cancelamentos de sua competência e expedir certidões de atos e documentos que constem em seus registros. Um exemplo poderia ser a distribuição dos protestos no caso de municípios que possuírem mais de um cartório.

4) Oficiais de Registro Civil de Pessoas Jurídicas serão responsáveis por registrar contratos, atos constitutivos, estatuto ou compromissos das sociedades civis, religiosas, científicas ou literárias, bem como o das fundações e das associações de utilidade pública. No mesmo cartório será feito o registro dos jornais, periódicos, oficinas impressoras, empresas de radiodifusão e agências de notícias a que se refere o artigo 8º da Lei n. 5.250, de 9 de fevereiro de 1967.

5) Oficiais de Registro de Títulos e Documentos têm como finalidade registrar documentos e praticar atos não atribuídos as outras instituições cartorárias extrajudiciais. Está previsto no art. 132 a 166 da Lei 6015/73 e o que você precisa saber sobre o cartório de Registro de Títulos e Documentos é que a notificação extrajudicial pode ser feita com eles e que todos os documentos estrangeiros, para fazer prova aqui no Brasil, precisam ser registrados lá após traduzidos porque não é aceito registro em língua diferente da nacional. E, quando for preciso fazer prova de algum outro documento que você teme deteriorar como um diploma muito importante você pode registrar no Cartório de Registro de Títulos e Documentos para conservação.

6) Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais serão responsáveis por registrar alguns atos da vida civil para garantir publicidade como os nascimentos, casamentos, óbitos, emancipações, interdições, sentenças declaratórias de ausência, opções de nacionalidade etc. E também por averbar informações sobre a alteração dessa situação jurídica, quais sejam: as sentenças que decidirem a nulidade ou anulação do casamento, o restabelecimento da sociedade conjugal, as sentenças que julgarem ilegítimos os filhos concebidos na constância do casamento e as que declararem a filiação legítima, os atos judiciais ou extrajudiciais de reconhecimento de filhos ilegítimos, as alterações ou abreviaturas de nomes etc.

7) Oficiais de Registro de Imóveis são responsáveis por registrar informações sobre os imóveis, conforme consta no artigo 167 I da Lei 6015/73.

O registro é em regra o arquivamento de documento que diz respeito a informações com relação a alteração de titularidade do imóvel ou restrições referente ao imóvel. Ex.: Escritura Pública de Compra e Venda em que há a transmissão da titularidade para outra pessoa.

Já no inciso II estão os atos passíveis de averbação no Cartório de Registro de Imóveis é o ato por meio da apresentação de documentos que trazem informações sobre alterações ocorridas no imóvel ou com relação aos atuais proprietários. Um exemplo disso é quando a prefeitura muda o número do imóvel e assim se garante a publicidade para terceiros saberem informações sobre a história do imóvel.

8) Tabeliães de Notas são também chamados de Notários e responsáveis pelos Cartórios de Notas, tendo como função documentar a vontade das partes de forma a garantir um instrumento adequado, seguro e autêntico; além de constatar fatos por meio da Ata Notarial, lavra Escrituras, Procurações, Testamentos, reconhece Assinaturas como autênticas, fazem cópias autenticadas, expedem traslados e Certidões de seus atos, dentre outros documentos que o cidadão necessitar para resguardar seus direitos.

Nos termos do artigo 8 da Lei 8935/94, no Brasil é livre a escolha do Tabelião de Notas, só que ele não poderá praticar atos de seu ofício fora do Município para o qual recebeu delegação. Ocorre que a pandemia fez surgir a necessidade dos serviços online de cartório em virtude do distanciamento social. Com isso foi criado o Provimento 100/20 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que permitiu que tabeliães prestassem serviços de forma online, desde que respeitasse alguns requisitos como que o cartório que elaborasse o ato fosse do mesmo domicílio do imóvel ou do solicitante do instrumento público.

 

Por fim, voltamos ao início da história do Brasil e imaginamos como seria se Pero Vaz de Caminha aportasse por essas terras. Acredito que com orgulho veria o quanto o seu exemplo de registrar importantes fatos, direitos e situações jurídicas continua e hoje não apenas faz história, mas é a comprovação de fatos feitos por registradores e tabeliães com fé pública. E ainda mais, que hoje brasileiros de qualquer parte do nosso extenso território e expatriados podem ter acesso aos serviços dos Cartórios, beneficiando desse fato histórico e revolucionário, no melhor sentido do termo.

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